segunda-feira, novembro 21, 2005

Em homenagem à noite de ontem...

"A música e a palavra do fogo encantado, penduradas no cordão da grande feira, anunciam passagem do Palhaço sem Futuro. A combustão do som e os gestos da cena burlesca projetam luzes na pequena lona do circo. O círculo da vida. Declaramos o novo espetáculo do nosso desejo. Assumimos o palhaço como símbolo, com suas pinturas de guerra, seu passado ridículo, sua loucura fingida, sua alma impaciente. Sonho que caminha no mundo sem futuro e que faz do presente o fundamento de existência. Mesmo com a guerra na porta, com a lona rasgada e sob a tempestade sem fim, o espetáculo vai começar!" - Cordel do Fogo Encantado, encarte do CD "Palhaço do Circo sem Futuro"
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Um Palhaço
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Pinto meu rosto com as cores que todos os dias eles vêem no espelho. Faço da minha cara o retrato cruel do ridículo cotidiano de suas vidas. Os sorrisos insossos, as caretas fingidas, a apatia sonolenta. E tudo o que eles sabem fazer é achar tudo engraçado e gargalhar.

Durante toda uma noite torno-me o próprio absurdo que vejo em cada um deles. Sou a caricatura do mesquinho, do desesperado, do cínico, do inseguro, do suicida. Imito todas suas bobagens, suas vãs tentativas de fingir que estão vivos. E como eles se acabam de rir.

Vou ainda mais longe; na cara de cada uns deles, digo exatamente o que penso de suas idiotices. Mostro a cada um o quão humilhante é estar na pele dele, viver suas pequenas falsas emoções e sobressaltos. Grito que todos eles são uma corja de covardes, sem coragem sequer para assumir a própria farsa. Eles quase caem de suas arquibancadas, riem de se bolar.

Pergunto se eles estão achando se eu sou a porra de um palhaço, e mando todos à merda. O circo quase vem abaixo com as gargalhadas.

E então eu fico sério. Calado, encarando cada um deles. Lentamente, eles percebem que algo está errado, eu deveria estar rindo também, rindo de mim mesmo como eles. Pouco a pouco, eles param de rir, e começam a ficar tensos, desconfortáveis. E começam a se perguntar se tudo aquilo que fiz e disse era sério, se eles eram a piada, e não eu.

E então eu rio com toda a cena. Não posso evitar, é engraçado demais! De repente todos eles percebem que não são nada, que não passam de merda, até cara de merda eles fazem! É demais, eu rolo no chão gargalhando, eu não aguento com isso.

Alguns ainda tentam rir, um sorriso amarelo, sem graça. Disfarçar o mal-estar geral. Mas é tarde, o feitiço já foi feito, e todos eles saem do circo com uma ilusão a menos em suas vidas. E eu termino essa noite com umas risadas a mais.

2 comentários:

Anônimo disse...

nossa, isso foi forte(!). sabe, uma curiosidade, mas, desde pequena eu nunca gostei de palhaços, mas sim sentia,acho,pena... é, era pena... eles não me pareciam engraçados, pareciam sofridos, querendo inistentemente agradar a platéia... e para isso, eles apanhavam, se humilhavam de todo e qualquer jeito, e as pessoas ali rindo daquilo, daquele sofrimento. Tanto é assim que se você chamar alguém de palhaço, na maioria das vezes, a pessoa se ofende, não é?
vou indo entao, abraços.
Tai

Liu Lisboa disse...

seco...vc foi fundo. Sei o que diz. E é só.