segunda-feira, outubro 24, 2005

Encontro no trem

O trem pára à minha frente; logo, uma fila de pessoas se empurrando e gritando umas com as outras se forma. Como não é o meu, fico no mesmo lugar que estou, sentado em um banco de madeira na estação. Mas não volto a ler o livro que agora reposa aberto em meu colo, meus olhos agora ocupados com uma das janelas do trem.

Do outro lado do vidro, outra pessoa olha para fora. Fitando o vazio, de forma vaga, pensativa, sem ligar muito para o mundo à sua volta, mais preocupado com... Com o quê? É engraçado, não consigo imaginar no que ele poderia estar pensando, embora com certeza seja algo que qualquer pessoa poderia pensar; não sei porque, não consigo vê-lo tentando imaginar que horas o trem vai chegar, como estará a família que vai encontrar (ou que deixou), o que vai fazer hoje à noite... Ele é um completo mistério para mim, e acho que é isso que me fascina.

Percebo que não consigo desviar meus olhos dele. É engraçado como essas coisas acontecem sem previsão; menos de trinta segundos encarando um estranho através de uma janela e já estou enfeitiçado. Rio sozinho com a descoberta de um sentimento sem razão, e não sei porque meu riso atrai sua atenção. Do vazio, seus olhos passam para mim, primeiro com curiosidade, depois... Com algo mais? Ou será que isso é só o que quero?

Não sei dizer, mais uma vez, o que significa seu olhar. Se ele continua me olhando apenas por curiosidade, por estar imaginando que tipo de pessoa encara outra em um trem e ri sozinho; se estranha minha atitude, sentindo-se desconfortável com um estranho que não pára de encará-lo; ou se olha para mim com o mesmo interesse que eu. Se esse olhar é uma interrogação, repulsa... Ou um convite.

Rapidamente, ele desvia o rosto, voltadoa gora para o outro lado, para dentro do trem. Já sem nenhum sorriso, sinto-me completamente estúpido. Irritado, pego meu livro e guardo-o na mochila. Como uma pessoa pode ser tão idiota, tão ingênua? Olho novamente para a frente e penso, por que esse trem ainda não foi embora, e ele está me olhando novamente.

Não sei o que fazer. Não consigo desviar meu olhar do dele, e fico cada vez mais intrigado. Eu nunca fui bom em adivinhações, e não sei se vejo nesse olhar uma chance ou um mal-entendido. Normalmente, eu costumo ficar com a segunda hipótese; mas... Eu não sempre me arrependo disso depois? Não fico achando que deveria ter apostado no improvável quando preferi não arriscar? Cato meus bolsos atrás da passagem para o meu trem, e assim que a encontro ele chega.

Agora a dúvida fica mais séria. Pelo menos uns dois minutos se passaram com o outro trem parado, e como a fila do meu está surpreendentemente pequena, ele não vai demorar muito na estação. Eu poderia ir no guichê trocar minha passagem por outra, e fazer companhia ao estranho que pareço já conhecer, mas estaria me arriscando a voltar ao embarque quando ambos já tivessem partido. Ou pior, conseguir trocar a passagem, embarcar no outro trem, e descobrir que tudo não havia passado de um mal-entendido, e ter que passar meia hora de viagem arrependido e morrendo de vergonha, apenas para ter que pagar mais uma passagem para chegar (atrasado) ao meu destino. Mas ele continua me olhando, não é possível que isso aconteça... Ou é? QUero dizer, quais as chances reais de eu entrar no trem, sentar-me a seu lado e ele simplesmente ignorar-me o resto da viagem, olhando para fora exatamente como está fazendo agora?

Contrariado, decido que não vale a pena arriscar; assim que decido não ir, como num passe de mágica, o trem fecha as portas e parte. Suspiro aliviado; mesmo que eu estivesse errado, que eu tivesse encontrado inesperadamente uma companhia, simplesmente não teria dado certo. O trem já teria partido quando eu voltasse. Talvez se eu não tivesse hesitado tanto... Mas olho para o tamanho monstruoso da fila da compra de passagens e penso que nem que eu tivesse ido para lá assim que o trem tivesse chegado não teria dado tempo.

Pego minha mochila e minha mala e entro no meu trem. Procuro uma poltrona na janela e passo a viagem olhando para fora e ouvindo música. Tento continuar a ler meu livro umas duas vezes, mas o balanço do trem começa a me dar dor de cabeça, e não quero correr o risco de enjoar na viagem. Passo então o tempo pensando naquele estranho que eu estava destinado a não conhecer. Mesmo sabendo que não conseguiria, sinto-me frustrado por não haver tentado. Não sei o porquê de me sentir assim, apenas... Apenas mais uma vez eu tive a oportunidade de arriscar e não o fiz. Enquanto lá fora as árvores e os postes passam rápido, me arrependo de mais uma vez não ter feito a escolha errada.

6 comentários:

Liu Lisboa disse...

quem não arrisca não petisca!! ehehehehe...eu tinha esquecido como era bom ter esse como tema da minha vida. ando muito besta. tbm to cansada de ficar encarando do lado de fora da janela...

Anônimo disse...

não posso mentir: estou numa fase minha q, se não subisse no trem pra saber qual é a da criatura encarando, rumava logo uma pedra na janela pra ver se ela tomava logo jeito!!!! kkkkkkkkkk!!!
falando sério, concordo com Liu... (a diferença eh q agora posso estar tudo, menos besta... isso não é bom, é?... eu acho q é ótimo!!! XD)

Anônimo disse...

Outros trens viram, trazendo outros estranhos, continue a procurar.

Digo disse...

Oi Dé... eu naum sei pq mas acabei me indentificando com o poema... enfim parecemos sempre estar olhando e nos freando, fereando, parando as pernas bambas que naum sabem mais se vão ou se ficam. o medo do erro, da perda da virgula que seria o acerto. a duvida no jogo dos sinais a infinita duvida... enfim...vale a pena arriscar td! arriscar nd é arriscar td!
bjus

Anônimo disse...

Rpz, vc escreve muito bem. Parabens. Vou virar fa do blog. e concordo com o retissente, vc ( ou melhor, nos, todos nos ) temos que nos arriscar ou entao vamos morrer no banco da estacao olhando os trens.

Anônimo disse...

Veja bem Del...

Eu acho que sou a melhor pessoa para falar sobre subir no trem, sentar ao lado da pessoa e... acabar dormindo perto dela, acordando sozinho no final da linha...

Pois é... lembra de ficar acordado e falar tudo aquilo que você ainda num sabe... mas existe...

Beijaum!
Obs:Continuo advogando pra Arima, ele num é lerdinho, apenas um pouco avoado... rs rs...